A intensificação da procura interna por milho e o avanço da indústria de etanol feito a partir do cereal estão alterando o equilíbrio entre oferta, demanda e armazenagem no país. A avaliação é de Cristiano Palavro, analista da Pátria Agronegócios, que abordou o tema em entrevista ao programa Agro é Massa, da Massa FM, em Campo Grande.
Apesar de estoques considerados altos no Brasil e nos Estados Unidos, o consumo doméstico vem registrando crescimento constante e, pela primeira vez, deve superar a marca de 90 milhões de toneladas. A combinação entre essa demanda firme e o ritmo mais lento de venda pelos produtores mantém os preços sustentados desde julho, segundo o especialista.
Expansão do etanol de milho
Dentro desse cenário, o setor de biocombustíveis tornou-se peça central. A produção de etanol de milho deverá absorver 24,5 milhões de toneladas na próxima safra, consolidando-se como a segunda maior força de demanda no país, perdendo apenas para o segmento de proteína animal. Esse volume equivale a quase 20% da matriz nacional de etanol, proporção comparada por Palavro à transformação observada nos Estados Unidos a partir de 2007, quando o cereal passou a ocupar papel estratégico na indústria de combustíveis renováveis norte-americana.
O crescimento das usinas dedicadas ou flexíveis ao processamento de milho para etanol não apenas eleva a disputa pelo grão como também cria interligações logísticas com outros setores, incluindo indústria alimentícia e pecuária. Para o analista, a relevância da nova frente de consumo tende a oferecer ao mercado interno um piso de demanda mais alto, reduzindo a sensibilidade dos preços a variações pontuais no comércio exterior.
Pressão sobre a armazenagem
A proximidade da colheita de soja em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, prevista para começar nas próximas semanas, traz outro componente de pressão. Parte considerável do milho colhido na segunda safra permanece em armazéns metálicos que agora precisarão receber a oleaginosa. A disputa por espaço físico amplia a necessidade de escoamento do cereal ou de alternativas de estocagem.
Nesse ponto, a adoção crescente de silo bolsa — sistema de armazenamento provisório em bolsas plásticas instaladas a campo — tem mitigado parte do problema. Produtores com melhor condição financeira recorrem ao equipamento para postergar a venda e aguardar momentos de preço considerados mais favoráveis. Ainda assim, a substituição entre milho e soja dentro dos mesmos armazéns deve intensificar a movimentação de caminhões e a busca por fretes em curto prazo.
Estratégia na comercialização da soja
Além do cuidado com o espaço nos silos, Palavro alerta para a necessidade de planejamento nas vendas de soja. Com prêmios inferiores aos observados em temporadas anteriores e possibilidade de maior pressão sobre as cotações no primeiro trimestre, o conselho é aproveitar janelas pontuais — especialmente em dezembro, período em que a oscilação cambial costuma oferecer oportunidades — para garantir liquidez e caixa.
O analista recomenda evitar a concentração das vendas em março, quando a oferta sul-americana costuma alcançar o pico e, consequentemente, ampliar a pressão sobre preços. Antecipar negociações, segundo ele, ajuda a equilibrar fluxo financeiro, reduzir riscos de armazenagem e aproveitar eventuais movimentos favoráveis no câmbio ou nos prêmios de exportação.
Mercado internacional e ritmo de vendas
No plano externo, os Estados Unidos permanecem como referência para formação de preços, mas o forte consumo doméstico no Brasil diminui a dependência de fatores internacionais imediatos. Mesmo com estoques elevados na origem norte-americana, a lentidão no ritmo de comercialização por parte dos agricultores brasileiros contribui para manter sustentação nas cotações locais.
Essa postura cautelosa reflete tanto a expectativa de possíveis valorizações futuras quanto a relativa segurança proporcionada por linhas de crédito, armazéns próprios e contratos já fechados para proteína animal e etanol. A soma desses elementos cria um ambiente em que as decisões de venda são tomadas de forma mais escalonada, influenciando diretamente o fluxo de oferta ao longo do segundo semestre e início do ano seguinte.
Perspectivas para a próxima safra
Com o etanol de milho consolidando-se como vetor de crescimento e o consumo interno projetado para níveis recordes, o mercado brasileiro passa a exigir estratégias logísticas e financeiras mais aprimoradas. Ajustes em infraestrutura de armazenagem, ampliação de contratos antecipados e monitoramento constante de câmbio e prêmios de exportação tendem a fazer parte do cotidiano dos produtores na próxima temporada.
Para Palavro, a chave será conciliar a maior competição pelo grão com uma política de comercialização que considere tanto picos de demanda interna quanto oportunidades externas. A relação entre milho e soja, antes marcada principalmente pela alternância de áreas plantadas, agora envolve disputa direta por espaço físico e por recursos destinados às duas culturas.
Em síntese, a forte procura por milho, impulsionada sobretudo pela indústria de etanol, somada à proximidade da colheita de soja e ao ritmo cauteloso de vendas, cria um ambiente de preços sustentados e de desafios de armazenagem. Produtores, tradings e indústrias acompanham esses movimentos para ajustar cronogramas de compra, venda e estocagem, buscando minimizar custos e aproveitar as oportunidades surgidas em um mercado cada vez mais dinâmico.








