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Apostas online e jogos de azar geram custo social estimado em R$ 38,8 bilhões por ano, aponta estudo

Um levantamento inédito estima que as apostas online e demais modalidades de jogos de azar provocam impacto econômico e social de R$ 38,8 bilhões anuais no Brasil. O cálculo, divulgado nesta terça-feira (2) no estudo “A saúde dos brasileiros em jogo”, reúne despesas associadas a suicídios, desemprego, tratamentos médicos, perda de moradia, encarceramento e afastamentos do trabalho.

A pesquisa foi elaborada pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps), pela organização Umane e pela Frente Parlamentar Mista para Promoção da Saúde Mental (FPSM), que congrega cerca de 200 congressistas. O documento aplica metodologia inspirada em análise britânica para mensurar perdas diretas e indiretas atribuídas ao crescimento do setor de apostas online no país.

Os autores identificaram 17,7 milhões de apostadores em operação no intervalo de seis meses e, com base em levantamento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), calculam que 12,8 milhões de brasileiros estejam em situação de risco relacionado ao jogo. Segundo o Banco Central, aproximadamente R$ 240 bilhões foram apostados em 2024, incluindo R$ 3 bilhões movimentados por beneficiários do Bolsa Família por meio de Pix em agosto.

Do total de R$ 38,8 bilhões, R$ 30,6 bilhões (78,8%) correspondem a custos ligados à saúde. A maior parcela, estimada em R$ 17 bilhões, decorre de mortes adicionais por suicídio. Na sequência, vêm perda de qualidade de vida associada à depressão (R$ 10,4 bilhões), tratamentos médicos para depressão (R$ 3 bilhões), seguro-desemprego (R$ 2,1 bilhões), encarceramento por atividades ilícitas (R$ 4,7 bilhões) e perda de moradia (R$ 1,3 bilhão).

Para contextualizar, os R$ 38,8 bilhões equivaleriam a um acréscimo de 26% no orçamento do programa Minha Casa, Minha Vida de 2023 ou a 23% a mais de recursos destinados ao Bolsa Família em 2024. O relatório destaca que a expansão das apostas online é impulsionada por avanços tecnológicos, ampla exposição midiática, ausência de políticas públicas estruturadas e deficiências de regulação.

No aspecto fiscal, as apostas foram legalizadas em 2018, regulamentadas somente em 2023 e passaram a recolher maior volume de impostos em 2025. Até setembro deste ano, a arrecadação somou R$ 6,8 bilhões, atingindo perto de R$ 8 bilhões em outubro. Mesmo que a projeção anual alcance R$ 12 bilhões, o estudo afirma que a arrecadação não cobre o custo social estimado.

Atualmente, as casas de apostas recolhem 12% sobre a receita bruta. Tramita no Senado o Projeto de Lei 5473/2025, que propõe elevar a alíquota para até 24%. Além disso, os jogadores pagam 15% de Imposto de Renda sobre os prêmios. Os pesquisadores observam que apenas 1% do montante arrecadado é destinado ao Ministério da Saúde; até agosto, foram efetivamente repassados R$ 33 milhões, sem vinculação obrigatória a ações da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) do Sistema Único de Saúde.

No mercado de trabalho, o levantamento classifica a atividade como de baixo impacto. Dados do Ministério do Trabalho indicam 1.144 empregos formais no segmento. A relação entre receita e remuneração evidencia que, para cada R$ 291 faturados pelas empresas, apenas R$ 1 é convertido em salário. Cada empregado formal gera cerca de R$ 3 milhões mensais em receita, mas recebe 0,34% desse valor. A informalidade também é alta: 84% dos trabalhadores do setor não contribuíram para a Previdência em 2024, enquanto a média nacional foi de 36%, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE.

O relatório menciona ainda uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado destinada a apurar impactos das apostas no orçamento familiar, possíveis vínculos com o crime organizado e o papel de influenciadores na divulgação de jogos de azar. O parecer final, que recomendava o indiciamento de 16 pessoas, foi rejeitado, cenário inédito em CPIs da Casa na última década.

Para mitigar danos, o estudo lista referências adotadas no Reino Unido, como sistema de autoexclusão voluntária por até cinco anos, forte restrição à publicidade (sem apelo a menores de idade ou promessa de solução financeira) e destinação de 50% da arrecadação fiscal ao tratamento de jogadores afetados. A partir dessas experiências, os autores sugerem ao Brasil: ampliar a parcela da taxação voltada à saúde, capacitar profissionais do SUS, proibir propaganda ou promover campanhas de conscientização, restringir o acesso de menores e pessoas em grupo de risco e impor regras que garantam retorno econômico efetivo, reduzam corrupção e permitam monitoramento público.

O Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), criado em 2023 e representante de cerca de 75% do mercado nacional, posiciona-se contra aumentos de carga tributária. Na avaliação da entidade, alíquotas mais altas poderiam estimular operadores a migrar para a clandestinidade e comprometer tanto a competitividade do setor regulado quanto a arrecadação prevista. O IBJR calcula que mais de 51% das apostas virtuais realizadas no Brasil hoje operam fora do ambiente legal.

A diretora de Relações Institucionais do Ieps, Rebeca Freitas, afirma que o crescimento das bets já integra a rotina de milhões de brasileiros e, diante desse quadro, defende regulação firme, fiscalização rigorosa e responsabilidade das operadoras para reduzir endividamento, adoecimento e impactos sobre a saúde mental, sobretudo entre grupos vulneráveis.

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