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Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul confirma condenação por racismo contra nordestinos e cria precedente estadual

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) confirmou, de forma unânime, a condenação de um homem acusado de publicar mensagens discriminatórias contra pessoas nascidas na região Nordeste do país. O julgamento, conduzido pela Terceira Câmara Criminal e relatado pelo desembargador Fernando Paes de Campos, representa o primeiro reconhecimento, no âmbito estadual, do crime de racismo motivado por preconceito de procedência nacional.

A decisão manteve integralmente a sentença proferida pela 1ª Vara Criminal de Dourados. Na instância inicial, o réu havia sido condenado a dois anos de reclusão em regime aberto, além do pagamento de dez dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas sanções restritivas de direitos: prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas.

Origem do processo

O Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) ajuizou a ação penal por meio da 4ª Promotoria de Justiça de Dourados. O caso foi acompanhado pelo promotor João Linhares Júnior, com atuação do procurador de Justiça Francisco Neves Júnior em segunda instância. Segundo a denúncia, o réu publicou, em outubro de 2022, durante o segundo turno da eleição presidencial, mensagens nas redes sociais que incentivavam o preconceito contra a população nordestina. Nas postagens, o acusado relacionava de forma negativa a origem regional dos eleitores ao resultado do pleito e empregava termos ofensivos que sugeriam escassez de recursos básicos e subalternidade social.

O MPMS sustentou que as manifestações configuraram preconceito por procedência nacional, conduta tipificada no artigo 20, parágrafo 2º, da Lei nº 7.716/1989, que trata dos crimes de racismo, inclusive aqueles praticados por meio de sistemas de informação ou comunicação.

Argumentos da defesa e fundamentação do TJMS

No recurso apresentado, a defesa alegou que as publicações representavam mera crítica política e não se enquadrariam como racismo. Os desembargadores rejeitaram o argumento ao considerar que as mensagens direcionadas a toda a população nordestina extrapolaram o debate político e atingiram grupo específico pela simples origem regional. Para o colegiado, a generalização ofensiva constitui a essência do preconceito por procedência nacional e se ajusta à tipificação legal prevista.

O TJMS também analisou a competência para o julgamento. Como as postagens foram veiculadas em território brasileiro e não alcançaram caráter transnacional, a Corte concluiu que a matéria deveria permanecer na esfera da Justiça Estadual. Dessa forma, foi afastada qualquer possibilidade de deslocamento para instância federal.

Pena e medidas aplicadas

Com a confirmação da condenação, o réu cumprirá a pena substitutiva já fixada em primeiro grau. A prestação pecuniária consiste no pagamento de quantia a ser destinada a fundo público ou entidade indicada pela Justiça. Já a prestação de serviços à comunidade deverá ser realizada em instituição ou órgão público a ser definido na execução da sentença.

Embora a punição não envolva reclusão efetiva, o acórdão enfatizou o caráter educativo da sanção. Para o tribunal, a responsabilização judicial de manifestações de ódio contribui para coibir práticas discriminatórias semelhantes e reforça a proteção jurídica de grupos historicamente vulneráveis.

Repercussão institucional

Integrantes do Ministério Público avaliaram que a decisão estabelece marco relevante no combate ao racismo por origem regional em Mato Grosso do Sul. A confirmação da condenação demonstra que esse tipo de discriminação está sujeito às mesmas consequências legais aplicáveis a crimes motivados por raça, etnia, cor, religião ou orientação sexual, já previstos na legislação federal.

O MPMS destacou que a sentença reafirma a igualdade de todos perante a lei e oferece respaldo às vítimas de discursos de ódio, fortalecendo os instrumentos de proteção a minorias. Ainda segundo a instituição, o reconhecimento expresso do preconceito contra nordestinos como forma de racismo amplia o entendimento jurídico e poderá servir de referência para casos futuros, tanto na esfera estadual quanto em outras unidades da federação.

Contexto legal

A Lei nº 7.716/1989 tipifica crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. O artigo 20, parágrafo 2º, prevê o agravamento da pena quando a conduta é praticada por intermédio dos meios de comunicação social ou por publicação em redes de computadores. As penas variam de dois a cinco anos de reclusão, além de multa, podendo ser majoradas em determinadas circunstâncias.

Nos últimos anos, decisões semelhantes têm reforçado a aplicação da lei a casos de preconceito regional ou de nacionalidade, mas o julgamento do TJMS marca a primeira vez que a Corte estadual sul-matogrossense se pronuncia especificamente sobre ofensas dirigidas à população nordestina.

Com o trânsito em julgado ainda pendente de eventuais recursos, o processo segue para execução na comarca de Dourados. Independentemente de novas impugnações, a decisão já se destaca como precedente no enfrentamento ao racismo e ao discurso de ódio em ambientes virtuais no Estado de Mato Grosso do Sul.